Integridade da informação é vital em “ano eleitoral histórico” [#05]

Imagem criada com o DALL-E 3

Olá, pessoas.

É o Luciano Bitencourt aqui com mais um boletim da e-Comtextos sobre os impactos da desinformação em processos eleitorais.

A semana que abriu o mês de maio foi intensa em debates sobre a integridade da informação e os riscos para as eleições.

São Paulo sediou entre 29 de abril e 1° de maio o fórum multissetorial NETmundial+10, promovido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, e o Evento Paralelo do Grupo de Trabalho de Economia Digital do G20, sob a responsabilidade do Governo Federal.

Tem muita informação boa na rede a respeito de ideias e soluções para o combate à desordem informacional tratadas nestes eventos [sugestões aqui e aqui].

Eu e Daniela Germann recortamos uma declaração que mostra o quão importantes são essas discussões para o processo eleitoral. Tawfik Jelassi, diretor-geral adjunto de Comunicação e Informação da UNESCO [texto aberto para inscritos], foi contundente:

“O resultado dessas eleições vai moldar o mundo e será um teste para a democracia global”.

Nos Estados Unidos, por exemplo, os eleitores de Joe Biden e Donald Trump não estão divididos apenas por fatores ideológicos. A mídia que eles consomem também os define politicamente [em inglês]. E os estadunidenses não confiam muito nos veículos noticiosos [também em inglês], temem que as informações jornalísticas sejam tendenciosas e imprecisas.

Como diz o professor Carlos Affonso, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio), o controle informacional das grandes empresas de mídias digitais precisa ser abordado no noticiário econômico e tecnológico. Para ele, esse é um tema estratégico e de interesse geopolítico.

Deixa a gente tentar explicar.

Ganhos econômicos e riscos políticos

Se as estimativas do relatório Global Advertising Trends, que aponta tendências em mídia e publicidade, estiverem certas, a empresa que controla Facebook, Instagram e WhatsApp vai faturar mais que a indústria da TV no ano que vem.

Por que isso é importante? A Meta está enfrentando uma investigação formal da União Europeia por não monitorar e controlar eficientemente campanhas de desinformação nem fornecer adequadamente relatórios a respeito de suas medidas para conter ações que ferem a regulamentação aprovada recentemente pelo bloco.

Os indícios levantados pela UE mostram que a empresa precisaria dar acesso a terceiros para que acompanhem as eleições em tempo real e adequar suas políticas de publicidade, disseminação de conteúdo político e identificação de conteúdo ilegal, todas supostamente em desacordo com as normatizações dos serviços digitais [em inglês].

Na mesma linha, o Oversight Board, um órgão independente composto por 22 especialistas em direitos humanos e liberdade de expressão de diferentes partes do mundo e espectro político, vem recomendando e acompanhando a implantação de melhorias na forma como a Meta gerencia as mídias sociais que controla. A moderação de conteúdo em “ano eleitoral histórico” é um pilar [em inglês] para a proteção do discurso político e a integridade da informação.

Só neste ano, a Meta deve arrecadar algo em torno de 156 bilhões de dólares em receita com publicidade, uma participação de 63% no total investido em mídias sociais. O avanço da Inteligência Artificial como ferramenta de produção e disseminação de conteúdo online, e o aumento do tempo gasto pelos usuários em redes digitais são hoje os fatores que mais impulsionam o negócio.

Ganhos econômicos e riscos políticos não fazem parte da mesma equação para as grandes empresas de tecnologia. A Meta tem sinalizado mudanças para evitar o uso eleitoral indevido dos canais que administra. Como todas as grandes concorrentes, aliás.

O problema, contudo, ainda está no equilíbrio entre o faturamento com qualquer tipo de conteúdo, inclusive ilegal, e a responsabilização pela permissividade na oferta de espaço para discursos ofensivos e violência digital.

Facebook, Instagram e WhatsApp figuram entre as plataformas mais confiáveis para grande parte dos usuários de mídias digitais. Os eleitores tendem a acreditar no que circula por elas. E essa crença é alimentada pelo fato de que familiares, amigos e colegas são fontes de informação melhores do que veículos de comunicação tradicionais para boa parte desses eleitores.

Os dados são de um dos estudos apresentados no NETmundial+10. Pouco mais de mil eleitores brasileiros foram ouvidos a respeito das preocupações com a desinformação no cenário político deste ano. O Instagram, por exemplo, é a fonte de informação preferida entre grande parte dos mais jovens. Os mais velhos, ao contrário, preferem veículos tradicionalmente informativos.

Ainda assim, quase dois terços dos entrevistados consideram que a propagação de mentiras e desinformação alimenta financeiramente as empresas donas das plataformas e que isso contribui para a polarização no Brasil.

Os riscos, entretanto, não se resumem à divisão política e ideológica resultante do modelo de negócio das mídias digitais. Grupos extremistas têm atuado no país sem qualquer moderação nas redes sociais para discursos de ódio, violência e discriminação. O Facebook é uma das plataformas onde esses grupos atuam.

Como o Brasil é o segundo país no qual os usuários gastam mais tempo na rede e a Meta vem faturando alto com todo o tipo de propaganda, as eleições municipais oferecem uma oportunidade e tanto para o engajamento ao extremismo político.

Para dar respostas aos desafios da desinformação, talvez o único consenso seja o reconhecimento de que não basta apenas criar leis para proteger a integridade da informação. Já discutimos aqui que, dependendo de como se propõe a regulação, existe o risco de o rigor excessivo promover a censura e o cerceamento de liberdades.

Os eventos realizados no Brasil procuraram dar ênfase a diferentes instâncias de combate à desordem informacional. Na América Latina, a judicialização de procedimentos para os quais não existem regras estabelecidas ganha componentes bastante peculiares. Parte significativa da população tem acesso precário à internet e há preocupações com governos autoritários.

Gustavo Gomez, diretor do Observatorio Latinoamericano de Regulación, argumenta que a autorregulação corporativa, na qual as big tech determinam suas políticas de moderação, e a regulação estatal podem se tornar instrumentos de punição por meio de legislações que acabam contribuindo para a polarização política.

“Esse é um cenário preocupante para pleitear regulação – temos que ter mais liberdade de expressão e não menos.”

A resposta estaria na dose saudável de ações em defesa da democracia sem interferência no debate político e suas formas de manifestação. Um jeito abstrato de dizer que as tensões sociais promovidas no ambiente digital precisam ser confrontadas no “mundo real”, como defende a jornalista filipina Maria Ressa, Nobel da Paz em 2021.

Ganhos econômicos como os da Meta em suas plataformas devem entrar na régua dos riscos que a desinformação, a violência digital e o extremismo oferecem à democracia, especialmente neste “ano eleitoral histórico”.

Por trás do conteúdo nocivo e ilegal sempre existem pessoas sujeitas às leis que regulam o comportamento fora das redes. E por trás do impulsionamento pago desse tipo de conteúdo há empresas ainda não responsabilizadas pelo modelo de negócio permissivo e negligente.

  • De acordo com um estudo realizado pela organização #ShePersisted em parceria com a empresa de análise de dados The Nerve, a maior parte dos ataques online direcionados a mulheres jornalistas e políticas tem como alvo a credibilidade, a inteligência e a reputação delas. O levantamento, que analisou mais de 1,15 milhão de publicações no Twitter, Facebook e YouTube no período de 2019 a 2024, revelou que as ofensas são compartilhadas tanto em páginas de extrema direita quanto em grupos não relacionados à política. O relatório foi lançado no Evento Paralelo do Grupo de Trabalho de Economia Digital do G20, em São Paulo, com a participação da vencedora do Prêmio Nobel da Paz, Maria Ressa, fundadora da The Nerve.
  • No evento paralelo do G20 no Brasil sobre Integridade da Informação, as principais agências de fomento e pesquisa do país, como Capes, Finep, Ipea, CNPq e Ibict, anunciaram uma aliança contra a desinformação e o discurso de ódio. As instituições assinaram um compromisso destacando a importância de abordar os desafios contemporâneos de forma proativa e colaborativa. O protocolo estabelece a criação de uma parceria estratégica para combater a desinformação e promover a integridade informacional, visando garantir a qualidade e a veracidade das informações disseminadas. A ideia é fortalecer a confiança na ciência e combater a propagação de notícias falsas e discursos de ódio.
  • Nos Estados Unidos, um grupo chamado United Sovereign Americans vai processar vários estados por supostas violações dos direitos civis [em inglês] em função de erros nos registros de eleitores. Embora especialistas considerem esse plano juridicamente improvável e baseado em interpretações equivocadas da lei eleitoral, eles expressam preocupação de que uma decisão favorável de um juiz simpatizante possa semear dúvidas sobre a integridade das eleições na disputa entre o presidente Joe Biden e o ex-presidente Donald Trump.

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