BOLETIM SEMANAL #07
Olá, pessoas.
Na edição passada fornecemos listas de links para quem está interessado em ajudar as vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul. Enchentes, aliás, que também atingem com menor intensidade uma pequena parte de Santa Catarina.
Meio, Nexo e Núcleo Jornalismo são ótimas alternativas. Há outras fontes confiáveis, dado o grau de mobilização e de solidariedade que estamos vendo. Mas, é preciso cuidado com as listas de consulta mostradas nos buscadores da internet.
Usuários desatentos estão sendo encaminhados para sites de jogos online, inclusive quando acessam o endereço eletrônico de órgãos oficiais. Buscas por termos associados à tragédia climática são os preferidos neste momento.
Como sabemos, o acesso a sites não confiáveis oferece uma série de riscos quando interagimos com eles, mas o objetivo principal neste caso é atrair clicks para gerar “audiência” e ganhar dinheiro com o volume de acessos.
O Aos Fatos explica como funciona e dá dicas de como se antenar para isso.
Aqui é Luciano Bitencourt com mais um relato sobre nossas reflexões semanais na e-Comtextos. Eu e Daniela Germann trazemos mais insights de nossas apurações sobre o complexo fenômeno da desinformação.
Em um editorial da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (@SBPC) assinado por Renato Janine Ribeiro e publicado na semana passada, uma frase em especial chamou a atenção:
“Uma mentira pode ser desmentida com a verdade. Mas uma opinião vazia, baseada naquilo em que se quer acreditar simplesmente, é solo fértil para uma realidade paralela e difícil de ser refutada”.
O presidente da SBPC refere-se no texto ao impacto das chamadas fake news na tragédia ambiental que ainda assola grande parte do estado gaúcho. Para nós, entretanto, a frase pode ser lida em um contexto bem mais amplo.
As análises sobre campanhas deliberadas de desinformação neste momento são muito importantes, no nosso ponto de vista, porque já estão nos dando uma dimensão do que vamos enfrentar na campanha eleitoral deste ano.
E um dos aspectos relevantes em nossas apurações é, justamente, este “solo fértil” de que fala Janine Ribeiro.
Desinformação é de graça
Richard Stengel, ex-editor da revista Time e ex-subsecretário de Estado no governo Obama, tem encorajado a imprensa nos Estados Unidos a suspender o acesso pago a conteúdo jornalístico sobre a cobertura eleitoral [texto em inglês cuja leitura depende, ironicamente, de assinatura]. O argumento é simples: a desinformação é de graça; a informação de qualidade não.
Experiências em veículos informativos na Suécia e na Suíça mostram que há viabilidade em estratégias de não cobrar pelo acesso a conteúdo específico e ao mesmo tempo aumentar a base de audiência que paga por notícias. A questão, no entanto, é que liberar conteúdo não é garantia de acesso.
Parte do impulsionamento de notícias tem se dado por mecanismos de busca na internet, onde os algoritmos direcionam a relevância do que se obtém como resposta por critérios de ranqueamento baseados em clicks. Produções jornalísticas não ganham muito destaque. Quando ganham, os sistemas de busca têm privilegiado conteúdos com maior volume de audiência provenientes de grandes veículos, inviabilizando a produção local.
Além disso, os editores de notícia manifestam preocupação com o fato de o Google estar inserindo seu algoritmo de IA, o Gemini, no tradicional mecanismo de buscas. O receio é de que o tráfego de acesso aos links para notícias listados em resultados de pesquisa, já pequeno, tende a cair quando as dúvidas dos usuários forem respondidas diretamente pelo algoritmo.
É o novo graal do mercado de tecnologias generativas. Tanto que a OpenAI também anunciou a incorporação de mecanismo de buscas no ChatGPT, hoje mais restrito a fontes sem acesso à rede mundial de computadores. Acontece que o tráfego de notícias já não é prioritário para as big tech por causa da pressão dos veículos pelo pagamento ao acesso, hoje restrito aos usuários.
Além de isentas do financiamento de conteúdo produzido por terceiros, especialmente por jornalistas, as plataformas também não são responsáveis pela qualidade do que oferecem em seus mecanismos de busca ou através dos algoritmos de resposta. Nem é preciso dizer, o cenário favorece à desinformação.
Negligência que dá dinheiro
Como mostram os pesquisadores do @NetLab, as plataformas faturam com os rumores, boatos e mentiras que circulam pelas redes e são co-responsáveis pelas fraudes em função da falta de transparência na moderação e no cumprimento de decisões tomadas pelas autoridades. Em bom português, ganham dinheiro com a própria negligência.
No caso do Rio Grande do Sul, o Governo Federal chegou a fazer um acordo com representantes das big tech no Brasil, nos mesmos moldes que o da justiça eleitoral, propondo que as plataformas tenham autonomia para decidir sobre o cumprimento ou não de solicitações feitas para retirar de circulação conteúdos enganosos sem decisão judicial, mas também ajudem na moderação.
Milhões de engajamentos superdimensionaram publicações com desinformação sobre as inundações e as ações do poder público, dois terços delas com interações promovidas pela extrema-direita de forma contínua e sistemática nas últimas semanas. Até “arma climática” foi apresentada como teoria para explicar o envolvimento de “conspiradores e traidores da nação” em uma trama “satânica” para “desapropriar cidadãos”.
Imagens criadas por Inteligência Artificial também foram usadas para reforçar símbolos religiosos e nacionalistas em mensagens de apoio às vítimas das inundações, em um ensaio bastante promissor para as campanhas eleitorais. Para se ter uma ideia, à medida que a população vai às urnas na Índia, imagens, vídeos e gravações de áudio de candidatos são produzidas em diferentes línguas e direcionadas aos eleitores com a ajuda de programas de IA. Tudo em questão de minutos.
A catástrofe no Sul fez as autoridades do legislativo e do judiciário brasileiro voltarem a defender a regulação das redes sociais. Tanto o presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, quanto o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, voltaram à carga por um “mínimo ético legal” nas redes para conter a desinformação. Mas, o legislativo não está dando sinais de que a pauta será retomada tão cedo.
Enquanto isso, entre as alternativas encontradas pela justiça eleitoral para amenizar os impactos da desinformação no processo eleitoral deste ano está a integração dos sistemas do Tribunal Superior Eleitoral e da Agência Nacional de Telecomunicações para dar às empresas agilidade no cumprimento de decisões judiciais quanto à retirada de conteúdos inautênticos ou nocivos de circulação. Um paliativo para dar conta dos desafios que já se mostram muito maiores do que se imagina.
Persuadindo pela hesitação
Promover a hesitação é um dos objetivos das campanhas orquestradas de desinformação. Dúvidas sobre a eficiência do Estado, sobre a lisura do processo eleitoral, sobre a garantia de liberdades e direitos, sobre as evidências produzidas pela Ciência e pelo Jornalismo, por exemplo, compõem um “solo fértil” para reduzir a participação popular e a qualidade do debate público em questões que realmente importam.
Não é por acaso o fato de que os políticos estão entre os que mais disseminam conteúdo desinformativo. As estratégias de propaganda eleitoral, em maior ou menor grau, incluem maneiras de persuadir usando formatos e narrativas do Jornalismo. Nos Estados Unidos, não é só a extrema-direita ou a ala trumpista que as adota para distorcer a realidade. Uma rede de publicações “jornalísticas” esconde ligações partidárias [texto em inglês] com os democratas e usa “notícias” como ferramenta de campanha.
O fenômeno da desinformação não é novo, mas seus impactos ganham amplitude tal que a gestão pública não tem mais como desconsiderar políticas para combatê-lo. A questão é como. Certo mesmo é que só investir em punições não é suficiente.
Se pode mentir e enganar deliberadamente, se pode manipular fatos para fazê-los caber nas crenças que quisermos, se pode espalhar informações ruins por ingenuidade ou ignorância… são muitas as intenções e nem todas passíveis de judicialização, criminalização ou punição.
No radar
- À medida que as eleições europeias de 2024 se aproximam, líderes políticos e a própria União Europeia têm sido cada vez mais alvos de campanhas de desinformação nas redes sociais. Exemplos incluem alegações falsas sobre uma tentativa de homicídio do primeiro-ministro eslovaco Robert Fico, bem como acusações infundadas de que o primeiro-ministro polonês Donald Tusk teria atacado a identidade polaca. Essas narrativas falsas visam desacreditar os rivais políticos e semeiam divisão antes do pleito. A Euronews ressalta que o Facebook já classificou algumas dessas publicações como informações falsas, demonstrando os esforços em combater a desinformação crescente durante o período eleitoral europeu.
- Estudo realizado pela empresa Quaest revela que o WhatsApp é o principal meio de disseminação de notícias falsas sobre a tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul. De acordo com a pesquisa, 31% dos entrevistados afirmaram ter recebido conteúdo falso sobre a situação através da plataforma. Diante disso, a Polícia Federal está investigando os responsáveis pela divulgação dessas informações enganosas, que estariam minando a confiança da população na capacidade de resposta do Estado. Os propagadores de fake news podem ser enquadrados na Lei 3.688 de 1941, o que pode resultar em pena de prisão simples ou multa.