Quando o marketing político explora vulnerabilidades eleitorais [#21]

Imagem criada com IA – Freepik

Olá, pessoas.

Nossos boletins, aqui na e-Comtextos, têm o propósito de levantar indícios sobre como a desinformação afeta o processo eleitoral. Vocês já devem ter percebido, mas gostamos de enfatizar, que não pretendemos fazer análises sobre candidaturas. Nosso interesse é observar como os circuitos de desinformação afetam comportamentos eleitorais.

Na semana passada, trouxemos como preocupação as dificuldades dos juízes e juízas eleitorais para reconhecer irregularidades previstas nas resoluções deste ano, especialmente quanto ao uso de Inteligência Artificial em conteúdos políticos.

Vamos dar uns passos adiante nesta semana. Aqui é Luciano Bitencourt, trazendo algumas apurações que fazemos, eu e Daniela Germann, periodicamente a respeito da desinformação, com o foco específico agora nas eleições municipais.

A nova edição da pesquisa “Panorama Político”, divulgada pelo Instituto DataSenado, procurou responder como os eleitores acham que as “notícias falsas” e a polarização política impactam as eleições. Um dado relevante é que 51% dos mais de 21 mil entrevistados não se alinham a correntes políticas no Brasil ou se dizem ao centro do espectro político.

É um indício de que parte significativa da população não se insere no cenário de polarização característico em períodos eleitorais nos últimos anos. E aí é que está. Estudos sobre desinformação sugerem que os grupos menos extremistas é que estão mais suscetíveis aos efeitos de conteúdos enganosos porque procuram por informações sem posicionamentos formados previamente.

Algumas pistas podem ser percebidas na disputa eleitoral em São Paulo.

Sutil compra de eleitores

As pesquisas de intenção de voto mais recentes na capital paulista mostram um avanço significativo do coach-candidato Pablo Marçal. Estrategistas da campanha dos adversários se dizem mais surpreendidos com a rapidez do que com o avanço propriamente.

No fundo, existem razões que ajudam a entender o “fenômeno”. E algumas delas têm a ver diretamente com vulnerabilidades exploradas por meios de desinformação, sem necessariamente disseminar fake news.

Em caráter liminar, a Justiça Eleitoral mandou, no fim da semana, bloquear os perfis do coach-candidato nas redes sociais. As denúncias envolvem a suspeita de práticas irregulares de impulsionamento de conteúdo e anúncios de campanha ilegais, conforme as regras eleitorais deste ano.

Marçal é acusado de financiar postagens em um esquema de premiação para apoiadores editarem e viralizarem seus vídeos nas mídias sociais durante a pré-campanha. Além disso, houve financiamento de anúncios políticos pagos por terceiros, o que também estaria ferindo as regras eleitorais.

Para contextualizar, o TSE permite que só candidatos e partidos façam impulsionamento de conteúdo de campanha. O coach-candidato alega que o “campeonato de cortes” de seus conteúdos tem o propósito de divulgar suas palestras. Segundo ele, os prêmios pagos semanalmente já renderam até R$ 400 mil por impulsionador e a proposta “saiu do controle”.

O Ministério Público Eleitoral (MPE), entretanto, o acusa de ter cometido abuso de poder econômico e usado indevidamente meios de comunicação para propaganda política. Juristas especializados também veem no “campeonato de cortes” uma espécie de aliciamento de eleitores. Fernando Neisser, coordenador acadêmico da Academia de Direito Eleitoral, concorda:

“Não tenho dúvida de que se trata de abuso de poder econômico e que isso pode levar à cassação da candidatura. A lei proíbe que candidatos paguem para que terceiros façam campanha eleitoral em suas próprias páginas na internet. Desde 2009, quando as campanhas na internet foram reguladas, isso é proibido”.

Com mais de 8,1 milhões de seguidores nas mídias em que os “cortes” foram publicados, os vídeos foram vistos mais de 825 milhões de vezes até 18 de agosto, só nas duas plataformas em que o prêmio é pago.

Depois da denúncia ao Ministério Público Eleitoral, feito pela candidata adversária, Tabata Amaral, chats administrados por funcionários de uma das empresas de Marçal com instruções sobre o “campeonato” e orientações sobre as formas de monetização foram apagados. Neles, ficava clara a associação do prêmio com a candidatura, o que é proibido.

Marçal promoveu duas edições do “campeonato” entre março e julho deste ano, período em que o coach-candidato já estava em pré-campanha. Nossa questão aqui não é avaliar os impactos políticos dessa estratégia, mas destacar que as formas de driblar as regulações contra a desinformação estão mais sofisticadas. Nos debates televisivos, por exemplo, as falas de Marçal eram direcionadas para os “cortes” nas mídias sociais.

Horacio Neiva, advogado especialista em direito eleitoral e doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP), considera que a decisão liminar pode ter sido exagerada, ainda que os indícios de crime eleitoral existam.

“A página oficial do Marçal não era exatamente onde o ilícito estava ocorrendo. O juiz entendeu que ali era a fonte dos cortes posteriormente utilizados no esquema, mas aí me parece que extrapola um pouco o próprio sentido do ilícito”.

Assim que soube do bloqueio de suas contas nas mídias sociais, o coach-candidato partiu para uma contra-ofensiva de marketing, convocando os seguidores para grupos em aplicativos de mensagem, não incluídos na decisão judicial. E induziu seguidores a criar perfis alternativos nas mesmas redes em que foi bloqueado.

Mais do que o caso em si, a questão relevante, nos parece, é o destaque dado a Marçal nas diferentes instâncias do ecossistema midiático. Além de disparar nas pesquisas por conta da habilidade no uso estratégico das redes sociais, ele ganha notoriedade em espaços que furam a bolha de seus seguidores.

Esse cenário favorece as teorias conspiratórias sobre o “desespero” dos adversários, estimuladas pela própria campanha. Suspender os perfis nas redes sociais acendeu ainda mais a figura caricata do “antipolítico” e deslocou a discussão sobre o crime eleitoral, ao que tudo indica existente, para o bate-boca virtual que alimenta a desinformação.

E é bom reforçar, caso haja a formalização do processo, Marçal só deve receber um veredicto depois das eleições. A julgar pela trajetória até aqui, com as chances de ser prefeito alimentadas pelas pesquisas, a possibilidade de cassação no futuro tende a reforçar, durante a campanha, a polarização política nas redes sociais, as quais ele sabe bem como manipular.

O que difere nas estratégias do coach-candidato é o uso eficiente do aliciamento de eleitores para se promover e da ajudinha de liminares controversas para atrair indecisos.

Audi, Amanda. Vídeos de Marçal que infringem lei eleitoral foram vistos mais de 825 milhões de vezes. Agência Pública, 19 de agosto de 2024, https://apublica.org/2024/08/videos-de-marcal-que-infringem-lei-eleitoral-foram-vistos-mais-de-825-milhoes-de-vezes/.

Caetano, Guilherme. Pablo Marçal: comunidade que remunerava apoiadores no Discord passa por faxina de mensagens. Estadão, 24 de agosto de 2024, https://www.estadao.com.br/politica/pablo-marcal-comunidade-que-remunerava-apoiadores-no-discord-passa-por-faxina-de-mensagens/.

Conteúdo, Estadão. Com Instagram bloqueado pelo TRE, Marçal chama seguidores para Telegram e WhatsApp. Folha Vitória, 24 de agosto de 2024, https://www.folhavitoria.com.br/politica/noticia/08/2024/com-instagram-bloqueado-pelo-tre-marcal-chama-seguidores-para-telegram-e-whatsapp.

DataSenado. Panorama Político 2024 – Notícias Falsas e Democracia. Pesquisa publicada em 22 de agosto de 2024, https://www.senado.leg.br/institucional/datasenado/relatorio_online/fake_news/2024/interativo.html.

Lobato, Gisele. Administrador do Discord de Marçal admite pagamentos ilegais, e provas somem do canal. Aos Fatos, 23 de agosto de 2024, https://www.aosfatos.org/noticias/discord-marcal-pagamentos-pre-campanha/.

___. Pré-candidato, Marçal oferece prêmio a seguidores e especialistas veem infração eleitoral. Aos Fatos, 18 de julho de 2024, https://www.aosfatos.org/noticias/marcal-oferece-premio-seguidores-especialistas-veem-infracao-eleitoral/.

Martins, Laís; Rudnitzki, Ethel. Anúncio ilegal de Marçal no Google foi pago pela maquiadora da mulher dele. Aos Fatos, 22 de agosto de 2024, https://www.aosfatos.org/noticias/anuncio-ilegal-marcal-google-pago-maquiadora/.

Motoryn, Paulo. Pablo Marçal pagou por vídeo negativo de Boulos nas redes sociais. Intercept Brasil, 20 de agosto de 2024, https://www.intercept.com.br/2024/08/20/pablo-marcal-video-negativo-contra-boulos/.

Motta, Rayssa. Pablo Marçal: Justiça Eleitoral manda tirar das redes sociais perfis do candidato a prefeito em SP. Estadão, 24 de agosto de 2024, https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/juiz-manda-tirar-ar-perfis-pablo-marcal-cortes-monetizacao/.

Redação. Pablo Marçal suspenso nas redes sociais: o que acontece agora?. BBC News Brasil, 24 de agosto de 2024, https://www.bbc.com/portuguese/articles/crmwxv04xy9o.

Spagnuolo, Sérgio. É só o começo do influencer canastrão na política. Núcleo Jornalismo, 20 de agosto de 2024, https://nucleo.jor.br/raiox/2024-08-20-influenciador-canastrao-redes/.

  • O novo gerador de imagens da IA Grok, do ex-Twitter, é 35% mais propenso a produzir imagens enganosas ou falsas em comparação com geradores da OpenAI e da Midjourney, de acordo com uma análise da NewsGuard. A Grok foi descrita pela própria empresa como um modelo “rebelde”, que responderá a “perguntas picantes” rejeitadas por outros sistemas de IA, que têm implementado medidas para coibir desinformação. Ao testar a Grok com 20 tópicos relacionados a narrativas falsas, a NewsGuard constatou que ela produziu imagens que poderiam ser usadas para disseminar informações enganosas em 80% dos casos. Essa análise alerta para o potencial da Grok propagar conteúdo falso.
  • Uma nova ferramenta de software chamada Deep-Live-Cam vem chamando a atenção nas redes sociais por sua capacidade de criar deepfakes em tempo real com desempenho considerado acima da média. O software usa uma única foto de uma pessoa para aplicar o rosto a uma transmissão ao vivo de webcam, acompanhando expressões faciais e movimentação. Embora os resultados não sejam perfeitos, o avanço acelerado dessa tecnologia ressalta como está mais fácil enganar os outros com inteligência artificial. Isso levanta preocupações sobre o potencial uso indevido dessas ferramentas em fraudes, afetando não apenas figuras públicas, mas também cidadãos comuns.

Ainda vale: para quem deseja ajudar as vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul, Meio, Nexo e Núcleo Jornalismo são ótimas alternativas.

Até semana que vem.

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