BOLETIM SEMANAL #22
Olá, pessoas.
Aqui é Luciano Bitencourt, empolgado com a publicação do nosso relato exploratório Desinformação em Eleições: Super Ciclo Eleitoral 2024. Chamamos de relato exploratório, aqui na e-Comtextos, porque o baseamos a apuração sobre o tema em uma ampla curadoria orientada por artigos acadêmicos e jornalísticos, entrevistas publicadas em meios digitais e relatórios especializados.
Mergulhamos, eu e Daniela Germann , em um cenário no qual entender como os ambientes democráticos são influenciados por campanhas financiadas para promover dúvida e desconfiança vai muito além das fake news para angariar votos ou atacar adversários em processos eleitorais.
O resultado de pelo menos três meses de leitura e discussões está disponível gratuitamente no Observatório Desordem Informacional em Pauta e pode ser acessado aqui. Nossa exploração, que consideramos inicial, foi estruturada em alguns passos:
- acompanhamos diariamente organizações e entidades que monitoram o fenômeno da desinformação e alimentam notícias, análises e orientações sobre seus impactos;
- selecionamos, com base nos acontecimentos políticos diários, as referências que dizem respeito aos riscos para a Democracia em ciclos eleitorais;
- organizamos blocos temáticos conforme os dados, os indícios e as evidências foram nos conduzindo ao longo das leituras, análises e discussões; e
- elaboramos o documento em três grandes blocos que se complementam, mas podem trazer insights relevantes se lidos isoladamente.
Nessa jornada de produção descobrimos, por exemplo, que decisões judiciais vistas como controversas ou como imposição de censura podem ter respaldo de instrumentos jurídicos internacionais e que instituições globais e multilaterais defendem medidas extraordinárias em “momentos excepcionais”, como eleições, para defender a Democracia.
Também entendemos que a crise do sistema democrático tem mais a ver com a desconfiança e o descrédito nas representações políticas e nos governantes do que no sistema propriamente. Isso ajuda a explicar porque as campanhas de desinformação mais eficientes focam as instituições com a estratégia de personificar e generalizar decisões pontuais de quem as representa no momento.
Esses aspectos têm relação direta com o caso envolvendo as decisões do Supremo Tribunal Federal e o ex-Twitter, por exemplo. A suspensão da plataforma de Elon Musk no Brasil, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes no fim da semana passada, vem gerando um debate polarizado nas mídias digitais por razões muito mais políticas do que jurídicas.
As informações que circulam têm reforçado os argumentos de senso comum como uma “briga” entre um juiz autoritário e um empresário com interesses políticos. Esta simplificação desconsidera a responsabilidade institucional do STF e a aplicação de regras que valem para todos no Brasil. O Telegram já passou pelo mesmo processo, recuou e desculpou-se.
E é importante lembrar que o ex-Twitter tem se consolidado como uma rede tóxica, na qual a moderação de conteúdo é praticamente zero. Mesmo que a liberdade de expressão seja um direito humano essencial, não se trata de um valor absoluto e o regramento jurídico muda de um país para outro. O que é liberdade de expressão nos Estados Unidos pode não ser no Brasil. Por isso, regular serviços de empresas globais de tecnologia é tão necessário.
Mudanças no cenário
Outro fator interessante, estudos têm mostrado que o impacto da desinformação nas escolhas do eleitor não é tão contundente como se imagina. A influência das fake news depende mais do grau de polarização do eleitorado. Quanto menos polarizado o cenário político, mais influentes podem ser as “notícias falsas” e as mentiras contadas para desqualificar adversários. Ainda assim, outros fatores precisam ser levados em consideração.
Além da permissividade das grandes empresas de tecnologia nas suas políticas de moderação, a negatividade das mensagens e as estratégias de impulsionamento dos algoritmos de recomendação nas mídias sociais têm um peso significativo na propagação de informações falsas e discursos violentos.
Em São Paulo, a campanha para a prefeitura está se transformando em um palco de “guerra”, onde o debate político perde consistência. Sem horário de propaganda eleitoral gratuita por estar em um partido sem representatividade, o coach-candidato Pablo Marçal vem tensionando o sistema eleitoral com estratégias bem sucedidas de driblar as regras, tanto da justiça quanto das plataformas, para ganhar evidência.
Existem brechas deixadas pela omissão do Legislativo brasileiro na regulação do uso das mídias sociais e pelo vácuo institucional na elaboração de estratégias de enfrentamento à desinformação, quase sempre reativas, que beneficiam ações como as de Marçal. As respostas dadas pelos adversários na campanha pela prefeitura de São Paulo, inclusive em debates transmitidos pela TV, mostram o quão despreparados estamos para lidar com a predominância de discursos agressivos, falsas acusações e ataques orquestrados ao sistema eleitoral.
Este cenário evidencia que a comunicação política mudou e muito. As constantes flutuações nos negócios de tecnologia, que facilitam o acesso à produção e a propagação de todo e qualquer tipo de conteúdo, embaralham a compreensão do que são notícias, rumores e opiniões. E quem sabe transitar por entre as brechas jurídicas e as rachaduras nas instituições democráticas tem muito a ganhar.
Nossa percepção sobre este fenômeno da desinformação é outra depois da exploração inicial publicada no relato que compartilhamos. Esse trabalho é uma forma de contribuir com um debate muitíssimo atual e de extrema importância, pelo que temos analisado semanalmente.
Para ir mais fundo
Aragão, Alexandre. Candidatos que respeitam o processo eleitoral admitem erros e mudam discursos. Aos Fatos (coluna de opinião), 28 de agosto de 2024, https://www.aosfatos.org/noticias/checagem-de-fatos-eleicoes/.
Baião, Bárbara; Bolivar, Iago e Recondo, Felipe. Nova crise com Twitter/X mostra a força da pressão externa sobre o STF. Jota, 30 de agosto de 2024, https://www.jota.info/stf/do-supremo/nova-crise-com-twitter-x-mostra-a-forca-da-pressao-externa-sobre-o-stf-30082024.
Baima, Cesar. O enigma da confiança na luta contra a desinformação. Questão de Ciência, 30 de agosto de 2024, https://www.revistaquestaodeciencia.com.br/artigo/2024/08/29/o-enigma-da-confianca-na-luta-contra-desinformacao.
Becker, Clara e Almeida, Gabriela. Em período eleitoral, pessoas avaliam desinformação com menor precisão. Metrópoles, 29 de agosto de 2024, https://www.metropoles.com/colunas/nas-redes/em-periodo-eleitoral-pessoas-avaliam-desinformacao-com-menor-precisao.
Benton, Joshua. Are people more likely to accurately evaluate misinformation when the political stakes are high? Haha, no. Nieman Lab, 27 de agosto de 2024, https://www.niemanlab.org/2024/08/are-people-more-likely-to-accurately-evaluate-misinformation-when-the-political-stakes-are-high-haha-no/.
Barbosa, João e Rudnitzki, Ethel. Boulos, Nunes e Marina Helena violam Lei Eleitoral com anúncios na Meta para atacar adversários. Aos Fatos, 27 de agosto de 2024, https://www.aosfatos.org/noticias/boulos-nunes-marina-helena-anuncios-ilegais-meta/.
Castro, Grasielle; Coura, Kalleo; e Nunes, Vinícius. Alexandre de Moraes determina suspensão imediata do X (ex-Twitter) no Brasil. Jota, 30 de agosto de 2024, https://www.jota.info/stf/do-supremo/alexandre-de-moraes-determina-suspensao-imediata-do-x-ex-twitter-no-brasil-30082024.
Lemos, Vinícius. Bluesky: a rede social que conseguiu um milhão de usuários e bateu recordes de interações após bloqueio do X no Brasil. BBC News Brasil, 31 de agosto de 2024, https://www.bbc.com/portuguese/articles/cm2nkdkypk7o.
Mangabeira, Milena. Com áudio e legenda falsos, vídeo engana sobre apoio de Elon Musk a Marçal. Aos Fatos, 29 de agosto de 2024, https://www.aosfatos.org/noticias/falso-video-apoio-musk-marcal/.
Mangabeira, Milena. Vídeo usa ‘deepfake’ de Bolsonaro para dar a entender apoio a Marçal. Aos Fatos, 28 de agosto de 2024, https://www.aosfatos.org/noticias/deepfake-bolsonaro-apoio-pablo-marcal/.
Marcelino, Daniel. Efeito Pablo Marçal desencadeia “guerra digital” e faz candidatos reverem estratégias. Jota (coluna de opinião), 27 de agosto de 2024, https://www.jota.info/eleicoes/efeito-pablo-marcal-desencadeia-guerra-digital-e-faz-candidatos-reverem-estrategias-27082024.
Mello, Patrícia Campos. Musk cumpriu centenas de ordens de remoção de conteúdo do X fora do Brasil sem acusar censura. Folha de São Paulo, atualizado em 30 de agosto de 2024, https://www1.folha.uol.com.br/poder/2024/04/musk-cumpriu-centenas-de-ordens-de-remocao-de-conteudo-do-x-fora-do-brasil-sem-acusar-censura.shtml.
Redação. Moraes suspendeu Telegram em 2022 e empresa pediu desculpas para voltar a operar no Brasil. BBC News Brasil, 31 de agosto de 2024, https://www.bbc.com/portuguese/articles/cvgr0p67p65o.
Rigueira Jr., Itamar. Livro que propõe tratar algoritmos como instituições é premiado no Brasil. Universidade Federal de Minas Gerais, 30 de agosto de 2024, https://ufmg.br/comunicacao/noticias/em-livro-premiado-professores-da-ciencia-politica-e-da-computacao-propoem-tratar-algoritmos-como-instituicoes.
Schurig, Sofia. X, antigo Twitter, está bloqueado no Brasil. Núcleo Jornalismo, 30 de agosto de 2024, https://nucleo.jor.br/curtas/2024-08-30-bloqueio-x-autorizado-stf/.
Spagnuolo, Sérgio. Bluesky quer ser um Twitter melhor e menos tóxico. Núcleo Jornalismo, 31 de agosto de 2024, https://nucleo.jor.br/entrevista/2024-08-31-bluesky-twitter-x-toxico/?ref=despacho-nuclear-newsletter.
Vargas, Mateus. Musk cria perfil contra Moraes para vazar decisões sigilosas do STF. Folha de São Paulo, 31 de agosto de 2024, https://www1.folha.uol.com.br/poder/2024/08/musk-cria-perfil-contra-moraes-para-vazar-decisoes-sigilosas-do-stf.shtml.
Viana, Natalia. Pablo Marçal: como lidar com um vigarista digital? Agência Pública (coluna de opinião), 27 de agosto de 2024, https://apublica.org/2024/08/pablo-marcal-como-lidar-com-um-vigarista-digital/.
No radar (com auxílio de IA)
- A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) suspendeu a proibição imposta à Meta para o uso de dados pessoais no treinamento de sua inteligência artificial, após a empresa cumprir exigências de conformidade. A decisão permite que a Meta retome essa prática, mas com restrições, incluindo a proibição de utilizar dados de contas de menores de 18 anos e a implementação de medidas para aumentar a transparência. Os usuários do Facebook e Instagram serão notificados pela empresa e terão a opção de se opor a esse uso de forma simplificada. A ANPD vai continuar monitorando o cumprimento do plano de conformidade estabelecido pela Meta.
- A Paraná Pesquisas entrou com uma ação judicial contra o coavh-candidato à prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal, reivindicando R$ 100 mil por danos morais. O processo foi motivado por declarações feitas por Marçal em um vídeo de campanha, questionando a credibilidade da empresa e suas metodologias de pesquisa. A Paraná Pesquisas argumenta que as falas de Marçal causaram danos à sua imagem e reputação.
- Iniciativas de veículos independentes no Brasil estão facilitando o acesso a informações políticas. A Agência Lupa lançou a newsletter “Ebulição”, que monitora discussões em grupos públicos do WhatsApp e Telegram, revelando informações antes inacessíveis. Além disso, o Aos Fatos atualizará sua chatbot “Fátima” para utilizar inteligência artificial na checagem de informações, e lança a ferramenta “Busca Fatos”, que identifica possíveis desinformações em vídeos. Outra inovação é o “Legislatech”, do Núcleo Jornalismo, que monitora documentos públicos e legislativos, permitindo aos usuários personalizar alertas sobre temas de interesse. Essas iniciativas visam promover maior transparência e credibilidade durante o período eleitoral.
- A Câmara dos Deputados analisa o Projeto de Lei 2051/24, que criminaliza a produção, divulgação e compartilhamento de fake news sobre temas de interesse público, como saúde, educação e segurança. A proposta deputada Érika Kokay, do PT, prevê penas de detenção de seis meses a três anos, com aumento da pena se houver risco à vida ou saúde. Os provedores de conteúdo também terão responsabilidades, sendo obrigados a remover informações falsas em até 24 horas após denúncia e a colaborar com autoridades. O projeto será discutido nas comissões de Integração Nacional, de Comunicação, e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para ser aprovado precisa passar ainda pelos plenários da Câmara e do Senado.
Ainda vale: para quem deseja ajudar as vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul, Meio, Nexo e Núcleo Jornalismo são ótimas alternativas.
Até semana que vem.