LEITURA CRÍTICA

BOLETINS SEMANAIS

Um outro braço da economia está em desenvolvimento. Com o uso de inteligências artificiais e ferramentas que colhem, organizam e interpretam dados comportamentais e psicológicos de nossos rastros digitais, nossos planos e propósitos estão virando moeda. É o que os pesquisadores estão chamando de “economia da intenção”. Nessa nova fronteira, a possibilidade de que já exista uma IA "desonesta", provida de autonomia e "autoconsciência" capaz de "trabalhar contra interesses humanos", também oferece riscos inteiramente diferentes dos que são discutidos em debates publicados pela mídia. Pode parecer alarmista, mas a questão é que há indícios em estudos com base em Ciência de um cenário no qual nossas decisões sejam vendidas antes que as tomemos e os algoritmos possam aprender por conta própria a driblar obstáculos que se contraponham à sua programação. Se for assim, discutir qual 'chatbot' de IA é melhor, mais completo e menos manipulador torna-se irrelevante.

EDIÇÕES ANTERIORES

Enquanto o STF avalia se plataformas devem ser responsabilizadas por conteúdos ilegais sem decisão judicial prévia, o Senado pode aprovar nesta semana o projeto de lei que regula o uso de inteligências artificiais no Brasil. o Judiciário tende a apertar o cerco às plataformas e o Legislativo ameniza a responsabilização das empresas desenvolvimento de tecnologias que impactam na liberdade de expressão e na integridade da informação em meios digitais. Nesse cenário, as 'big techs' investem cada vez mais na presença direta em decisões de Estado e determinados governos promovem a judicialização de liberdades, a estigmatização da imprensa e o uso de tecnologias de vigilância como forma de controle.

O Supremo Tribunal Federal (STF) debate a constitucionalidade do Marco Civil da Internet, legislação pioneira que completou uma década, em meio a profundas transformações no ambiente digital. O dilema envolve equilibrar liberdade de expressão, proteção de direitos e responsabilidades das 'big techs'. Desinformação e discursos de ódio não estavam na mira da legislação em sua origem e o novo cenário oferece os riscos de censura prévia e inibição da inovação, dependendo das decisões da Suprema Corte. Para evitá-los, o judiciário brasileiro precisa assumir moderações no interesse público e deixar que as plataformas se responsabilizem por questões de interesse privado.

A realidade feita sob medida e a ilusão de consensos são fruto de uma crise na qual a polarização e a desorientação social, a distorção dos fatos como "nova normalidade" e a indústria da mentira alimentada por influenciadores em busca de dinheiro e pelas elites em busca de poder constituem o circuito de desinformação, como destaca na capa a edição dominical do jornal espanhol El País. É preciso considerar, contudo, que governos estão usando a publicidade oficial para controlar veículos de informação, estão reduzindo o direito legal de acesso à informação e atacando a imprensa para dividir opiniões e desacreditar informações que se contrapõem à propaganda. Esses indicadores também se somam às mentiras e falsidades espalhadas em grande escala com efeitos danosos para as democracias.

Já expusemos em um de nossos boletins que orientar os algoritmos de recomendação para valorizar a civilidade nas redes e desmonetizar conteúdos ofensivos poderiam garantir a liberdade de expressão e, ao mesmo tempo, limitar o alcance digital de mentiras e falsidades criadas para gerar danos. Enfatizamos agora que ampliar o alcance da veracidade no fragmentado cenário de produção de narrativas e de meios pelos quais a informação circula é tão necessário quanto reduzir o impacto da desinformação e de discursos ofensivos pela regulação. Este é um exercício de atenção, lento e analógico, onde as escolhas dependem cada vez mais de fiadores humanos. Os veículos tradicionais de imprensa, que poderiam ocupar este espaço, estão cedendo à velocidade da produção digital.