LEITURA CRÍTICA

BOLETINS SEMANAIS

Eventos recentes no setor de tecnologia ofuscaram as demonstrações de poder das big techs e colocaram em pauta alternativas viáveis contra o monopólio digital que controla dados pessoais e fluxos de informação em rede. A explosão do DeepSeek foi o resultado mais proeminente de um movimento que propõe a criação de redes descentralizadas e protocolos abertos para devolver aos usuários o poder de definir seu próprio “destino digital”. Ao que parece, a mentalidade do Vale do Silício, cuja percepção de sucesso e de inovação tornou-se hegemônica, começa a enfrentar um esforço concorrente e de fôlego renovado no sentido de combater a censura à diversidade promovido pelas grandes corporações em nome da liberdade de expressão.

EDIÇÕES ANTERIORES

Lição tirada nas eleições nos Estados Unidos: a economia da atenção eleitoral não dispensa mentiras e falsidades, mas a retórica usada para refutar alegações infundadas pode ter vitaminado o desempenho de Donald Trump nas urnas. O presidente recém-eleito abocanhou parte significativa dos votos de extratos populacionais tradicionalmente críticos a ele, na contramão das estimativas que davam como acirrada uma disputa eleitoral vencida com folga. É preciso também reconhecer que as discussões sobre o que é ou não verdadeiro em campanhas eleitorais ganham mais atenção do que propostas de solução para os problemas que enfrentamos. A questão é que estamos migrando para um cenário distópico, onde tudo parece mentira e o ceticismo tende a usar falsas equivalências para dar veracidade e autenticidade aos fatos.

Revelar os "mistérios" por trás das falsidades contadas para desinformar é tão importante quanto as refutar com discursos racionais. É o que diz o professor e pesquisador Paolo Demuru, para quem as teorias conspiratórias são estruturadas sobre um tipo de fantasia que oferece um "núcleo de verdade" capaz de reforçar crenças, as mais improváveis. É uma perspectiva interessante, na medida em que a imprensa vem perdendo credibilidade justamente pela postura omissa de seus executivos, que tratam a informação como 'commodity' e usam a ideia de "neutralidade" como moeda. Nesse cenário, a violência política ameaça os processos eleitorais ao ganhar vida também fora do ambiente digital. Os três fatores não têm como ser vistos isoladamente nem tratados fora do contexto no qual as democracias ocidentais se fragilizam.

Na edição de número 30 do boletim “Desinformação em Pauta”, nossa leitura crítica traz argumentos sobre como o circuito da desinformação impacta na diluição do diálogo e da participação política. Para o filósofo Mark Coeckelbergh, um dos principais pensadores sobre Inteligência Artificial na atualidade, a vigilância e a manipulação de crenças são fatores de risco para o sistema democrático. As eleições no Brasil mostraram que o uso de IA pode não ter impactado como se imaginava, mas está contribuindo para ampliar a incivilidade no debate público, amparada por estratégias de marketing predatório, pelo medo da violência e pela polarização, fatores que estão afastando os mais jovens do cenário político. Não é o voto que está sob ameaça nesse cenário, mas o diálogo e a participação, essenciais para o fortalecimento do sistema democrático.

O super ciclo eleitoral deste ano revela como conteúdos de desinformação produzidos com Inteligência Artificial intensificam a corrosão do senso de realidade, mais do que influenciam o voto. Os indícios são de que a IA tem contribuído até agora para gerar um "vácuo de confiança" que políticos extremistas estão explorando para desacreditar o sistema democrático. A campanha eleitoral no Brasil mostrou que "comportamentos inautênticos coordenados", típicos do mundo digital, ganharam as ruas com atores interpretando perfis falsos para espalhar desinformação. As ferramentas de IA tendem a se somar a práticas nocivas já bem conhecidas de desinformação, com potencial para as eleições de 2026.