LEITURA CRÍTICA

BOLETINS SEMANAIS

A realidade feita sob medida e a ilusão de consensos são fruto de uma crise na qual a polarização e a desorientação social, a distorção dos fatos como "nova normalidade" e a indústria da mentira alimentada por influenciadores em busca de dinheiro e pelas elites em busca de poder constituem o circuito de desinformação, como destaca na capa a edição dominical do jornal espanhol El País. É preciso considerar, contudo, que governos estão usando a publicidade oficial para controlar veículos de informação, estão reduzindo o direito legal de acesso à informação e atacando a imprensa para dividir opiniões e desacreditar informações que se contrapõem à propaganda. Esses indicadores também se somam às mentiras e falsidades espalhadas em grande escala com efeitos danosos para as democracias.

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As eleições municipais deste ano já enfrentam desafios significativos em relação à integridade do processo eleitoral. Em São Paulo, a Justiça Eleitoral bloqueou, em caráter liminar, as redes sociais de um dos candidatos por suspeitas de impulsionamento ilegal e aliciamento de eleitores, mascarado sob um "campeonato de cortes" em vídeos de campanha. A estratégia, que inclui prêmios em dinheiro para seguidores que viralizam os vídeos em canais digitais, levanta sérias questões sobre abuso de poder econômico e uso indevido de comunicação para propaganda política. Essa situação evidencia a sofisticação crescente nas táticas de desinformação, que agora exploram brechas na legislação para minar a confiança no processo eleitoral. A preocupação vai além da suspeita de ilegalidade, já que as práticas usadas na campanha tendem a aumentar a polarização política, especialmente em um cenário no qual a manipulação das redes sociais é um poderoso recurso de marketing.

Levantamento feito pelo Aos Fatos revela que a dificuldade de interpretação e a falta de perícia nas decisões judiciais sobre o uso de Inteligência Artificial em anúncios políticos podem ser mais impactantes nas eleições deste ano do que os efeitos da propaganda enganosa. Durante a pré-campanha, algumas decisões de juízes e juízas eleitorais não corresponderam a um padrão porque o Brasil ainda não tem uma base legal estruturada para enfrentar o desafio nem exemplos de casos para sustentar as interpretações. Também não há conhecimento técnico específico para identificar as tecnologias usadas em conteúdos supostamente irregulares. Os riscos para a integridade eleitoral, neste cenário, são mais sutis. A tendência de judicialização de qualquer tipo de conteúdo considerado enganoso pode sobrecarregar a Justiça Eleitoral com decisões controversas e minar a credibilidade dos argumentos jurídicos.

Para garantir a integridade das eleições, o Tribunal Superior Eleitoral anunciou medidas que incluem convênios com grandes empresas de tecnologia, transparência das ações judiciais e o lançamento de campanhas contra mentiras na campanha. Contudo, as estratégias de marketing digital exploradas por candidatos como Pablo Marçal, em São Paulo, somadas ao papel ambíguo das 'big techs', levantam questões que não estão no escopo das propostas para enfrentar o fenômeno da desinformação. A crescente influência dos modelos de negócio das plataformas digitais e o apoio financeiro de gigantes da tecnologia em iniciativas de educação midiática e produções jornalísticas, incluindo checagem de fatos, revelam um dilema: estariam essas ações fortalecendo a Democracia ou apenas reforçando estratégias que lucram com a desinformação?

O uso da Inteligência Artificial nas eleições deste ano é tema central nas discussões sobre os impactos da desinformação. A Justiça Eleitoral implementou normas rigorosas para evitar o uso de conteúdo fabricado e, ao mesmo tempo, vai adotar ferramentas de IA para dar agilidade e eficiência no combate às 'fake news'. Como desafio, a integridade do sistema de votação e a própria atuação da Justiça Eleitoral passam pelo escrutínio de uma população vulnerável às informações falsas, mas favorável a punições severas para candidatos que se beneficiem do uso de desinformação ao longo da campanha. O dilema nesse cenário está em como garantir respostas rápidas no combate à propagação de conteúdo enganoso e justificar as decisões a um grupo significativo de eleitores incapaz de discernir entre o que é verdadeiro e o que é falso na disputa pelo voto.