LEITURA CRÍTICA

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O Supremo Tribunal Federal (STF) debate a constitucionalidade do Marco Civil da Internet, legislação pioneira que completou uma década, em meio a profundas transformações no ambiente digital. O dilema envolve equilibrar liberdade de expressão, proteção de direitos e responsabilidades das 'big techs'. Desinformação e discursos de ódio não estavam na mira da legislação em sua origem e o novo cenário oferece os riscos de censura prévia e inibição da inovação, dependendo das decisões da Suprema Corte. Para evitá-los, o judiciário brasileiro precisa assumir moderações no interesse público e deixar que as plataformas se responsabilizem por questões de interesse privado.

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Em evento no Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, juristas especializados em Direito Eleitoral levantaram vários desafios para as eleições municipais deste ano. Dois deles nos parecem essenciais para a compreensão do fenômeno da desinformação em processos eleitorais. Primeiro, para avaliar os riscos a serem enfrentados seria necessário encontrar maneiras de verificar o peso das ferramentas de Inteligência Artificial na formação de consciência do eleitorado, visto que a mediação humana vem diminuindo. Além disso, estaria no potencial lesivo dos conteúdos enganosos a possibilidade jurídica de enfrentar as 'fake news' sem estigmatizar grupos e pessoas que, mesmo ingenuamente, defendem suas opiniões e crenças. Trazemos esses desafios para o debate levando em conta as teorias da conspiração e falsidades propagadas depois do atentado ao ex-presidente e candidato à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump.

O Projeto de Lei que regula o desenvolvimento e o uso de Inteligência Artificial no Brasil foi mais uma vez adiado, vítima da desinformação e do 'lobby' das grandes empresas de tecnologia e representantes da indústria. Políticos extremistas e alinhados aos interesses das grandes empresas de tecnologia alegam que o texto abre possibilidades para a censura e o controle estatal. Entidades que representam a indústria e o setor empresarial condenam o que chamam de "carga excessiva de governança" sobre os processos de inovação. Nenhum dos dois argumentos procede. Mesmo com críticas, o texto do PL contempla os alertas feitos por especialistas para a necessidade de prevenir e mitigar os riscos no uso de IA adotando medidas de proteção aos direitos humanos. O que se percebe é uma aproximação entre as pressões econômicas e os discursos políticos extremistas para evitar o avanço das propostas legislativas.

Na semana passada, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados determinou à Meta a suspensão do uso de dados pessoais de usuários para treinamento de sua ferramenta de Inteligência Artificial. A medida inédita tem caráter preventivo e dá um recado contundente às grandes empresas de tecnologia. Levanta-se agora um debate mais amplo sobre o equilíbrio entre os avanços dos modelos de IA e a proteção de dados, não só os pessoais. É praxe entre as empresas que detêm os serviços mais populares de tecnologia a ideia de que dados públicos estão disponíveis para uso privado. Em sua justificativa, a Meta alega que a medida da ANPD representa um atraso para os usuários brasileiros e justifica que os benefícios de IA compensam o fato de não ter avisado amplamente sobre as mudanças em suas políticas de privacidade nem ter oferecido um jeito rápido e simplificado de dizer "não" às atualizações, como manda a Lei Geral de Proteção de Dados.

Autoridades eleitorais acendem o sinal de alerta para a presença de influenciadores produzidos com ferramentas de IA, no cenário político-eleitoral. No "limbo jurídico", esses influenciadores sintéticos não podem ser alcançados pelas regulações existentes. Mas é importante reconhecer que a influência de produtos artificialmente produzidos vai muito além de imagens, vídeos e áudios que imitam políticos e celebridades para enganar eleitores. A desconfiança nos processos e nas instituições democráticas não decorre apenas de fatores ideológicos. Emoções negativas são estimuladas por um negócio lucrativo e amplificado pelo propósito de fazer as pessoas agirem ou se omitirem com base em suas próprias crenças. Não existe consenso sobre o impacto disso no voto diretamente. Os estudos em diversas áreas mostram que os riscos para o processo eleitoral estão na mobilização política, por menor que seja, pelo medo e pelo ódio.