LEITURA CRÍTICA

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Revelar os "mistérios" por trás das falsidades contadas para desinformar é tão importante quanto as refutar com discursos racionais. É o que diz o professor e pesquisador Paolo Demuru, para quem as teorias conspiratórias são estruturadas sobre um tipo de fantasia que oferece um "núcleo de verdade" capaz de reforçar crenças, as mais improváveis. É uma perspectiva interessante, na medida em que a imprensa vem perdendo credibilidade justamente pela postura omissa de seus executivos, que tratam a informação como 'commodity' e usam a ideia de "neutralidade" como moeda. Nesse cenário, a violência política ameaça os processos eleitorais ao ganhar vida também fora do ambiente digital. Os três fatores não têm como ser vistos isoladamente nem tratados fora do contexto no qual as democracias ocidentais se fragilizam.

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No Congresso Nacional, a criminalização das 'fake news' foi vetada. No STF, o assédio judicial a jornalistas foi reconhecido. Mas a inércia no combate à desinformação se renova no jogo político passional e polarizado. O Legislativo se divide entre a justificativa rasa dos opositores ao governo, de que a criminalização das 'fake news' é uma forma de censura, e a proposta governista de moderar a liberdade de expressão pela punição, sem muita clareza sobre como pesar as diferentes intenções e responsabilidades na propagação de mentiras e falsidades. Enquanto isso, o Judiciário assume o protagonismo de proteger a integridade das eleições com medidas nem sempre amparadas por princípios democráticos, ainda que necessárias para se evitar danos à Democracia. Pela inércia política e pelas reações judiciais, estilhaços da desinformação vão minando o campo por onde os fatos perdem força.

Na Índia, recursos de Inteligência Artificial estão sendo usados para criar propaganda eleitoral. Tem sido difícil para jornalistas e checadores de fatos identificar o que é real. Para desvendar peças artificiais, as habilidades humanas de verificação não têm sido suficientes. Este, aliás, é um dos riscos apontados por especialistas para as eleições municipais no Brasil. Ainda que o judiciário tenha elaborado formas de proteger a integridade das eleições, a falta de clareza nas delimitações do que é ilegal e de critérios para punir quem rompe os limites mínimos já estabelecidos abre espaço para ameaças cada vez mais sofisticadas. As regulamentações temporárias e os acordos feitos com as plataformas de mídias digitais para conter conteúdos falsos, violentos e nocivos não estão acompanhando a sofisticação das estratégias para desinformar.

O cenário da desinformação ganhou contornos surreais com a inundação no Rio Grande do Sul e antecipa o que vamos enfrentar nas campanhas eleitorais deste ano. Enquanto rumores, boatos e mentiras se propagam gratuitamente pelas mídias digitais, as informações que dependem de apuração e checagem perdem cada vez mais espaço por causa dos algoritmos que definem a relevância em mecanismos de busca na internet. As próprias plataformas faturam com a negligência e impulsionam conteúdos que promovem a hesitação da confiança em processos democráticos. Combater o fenômeno da desinformação já é um compromisso que deve ser assumido pela gestão pública.

É um tema bastante sensível, mas não dá para ignorar o apelo político-eleitoral de campanhas de desinformação a respeito da tragédia ambiental no Rio Grande do Sul. Por um lado, o monitoramento das mídias sociais e a tentativa de controle sobre as "fake news" por parte dos governos Federal e Estadual demonstram uma preocupação genuína, mas que oferece riscos de reprimir críticas e responsabilizações aos gestores públicos. Por outro, o uso de testemunhos e relatos tirados de contexto por parte de opositores desloca o sofrimento com a tragédia para o campo da propaganda, onde parte dos gestores públicos tenta evitar informações sobre o que não fizeram para evitar os danos. As nuances entre o verdadeiro e o falso são muitas.