LEITURA CRÍTICA

BOLETINS SEMANAIS

Já expusemos em um de nossos boletins que orientar os algoritmos de recomendação para valorizar a civilidade nas redes e desmonetizar conteúdos ofensivos poderiam garantir a liberdade de expressão e, ao mesmo tempo, limitar o alcance digital de mentiras e falsidades criadas para gerar danos. Enfatizamos agora que ampliar o alcance da veracidade no fragmentado cenário de produção de narrativas e de meios pelos quais a informação circula é tão necessário quanto reduzir o impacto da desinformação e de discursos ofensivos pela regulação. Este é um exercício de atenção, lento e analógico, onde as escolhas dependem cada vez mais de fiadores humanos. Os veículos tradicionais de imprensa, que poderiam ocupar este espaço, estão cedendo à velocidade da produção digital.

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Na Índia, recursos de Inteligência Artificial estão sendo usados para criar propaganda eleitoral. Tem sido difícil para jornalistas e checadores de fatos identificar o que é real. Para desvendar peças artificiais, as habilidades humanas de verificação não têm sido suficientes. Este, aliás, é um dos riscos apontados por especialistas para as eleições municipais no Brasil. Ainda que o judiciário tenha elaborado formas de proteger a integridade das eleições, a falta de clareza nas delimitações do que é ilegal e de critérios para punir quem rompe os limites mínimos já estabelecidos abre espaço para ameaças cada vez mais sofisticadas. As regulamentações temporárias e os acordos feitos com as plataformas de mídias digitais para conter conteúdos falsos, violentos e nocivos não estão acompanhando a sofisticação das estratégias para desinformar.

O cenário da desinformação ganhou contornos surreais com a inundação no Rio Grande do Sul e antecipa o que vamos enfrentar nas campanhas eleitorais deste ano. Enquanto rumores, boatos e mentiras se propagam gratuitamente pelas mídias digitais, as informações que dependem de apuração e checagem perdem cada vez mais espaço por causa dos algoritmos que definem a relevância em mecanismos de busca na internet. As próprias plataformas faturam com a negligência e impulsionam conteúdos que promovem a hesitação da confiança em processos democráticos. Combater o fenômeno da desinformação já é um compromisso que deve ser assumido pela gestão pública.

É um tema bastante sensível, mas não dá para ignorar o apelo político-eleitoral de campanhas de desinformação a respeito da tragédia ambiental no Rio Grande do Sul. Por um lado, o monitoramento das mídias sociais e a tentativa de controle sobre as "fake news" por parte dos governos Federal e Estadual demonstram uma preocupação genuína, mas que oferece riscos de reprimir críticas e responsabilizações aos gestores públicos. Por outro, o uso de testemunhos e relatos tirados de contexto por parte de opositores desloca o sofrimento com a tragédia para o campo da propaganda, onde parte dos gestores públicos tenta evitar informações sobre o que não fizeram para evitar os danos. As nuances entre o verdadeiro e o falso são muitas.

Este é um ano histórico para a Democracia. Vários países no mundo vão às urnas e a integridade da informação é vital para que os eleitores possam tomar decisões mais esclarecidas. Recentes eventos sobre integridade da informação realizados no Brasil abriram espaço para firmar o consenso de que a desordem informacional não tem como ser combatida apenas com regulações, seja das empresas detentoras das plataformas ou do Estado. O desafio é mais amplo e as respostas passam por confrontar o comportamento digital no "mundo real", onde as leis que já asseguram liberdades também impõem responsabilidades.